sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O elástico da paz

Artesã usa material de trabalho para minimizar violência na hora do recreio
por Alcyr Cavalcanti

Suely Nunes Ribeiro Braga faz de seu trabalho um sacerdócio Ela trabalha na Escola José Luis da Silva, em Austin. Diariamente, vai para sua faina diária, feliz por ajudar na construção da cidadania dos jovens. Como nem tudo é perfeito, embora sendo abnegada, reclama da precariedade das instalações da escola em que trabalha.

A tarefa de Suely era bastante árdua. Principalmente por lidar com crianças difíceis e inadaptadas. Mas ela estava firme em seus propósitos de ensinar. Muitas crianças na escola se transformam de uma timidez excessiva a uma atividade incessante, tornando-se dispersivas e não aprendendo nada. O acaso veio trilhar o caminho de Suely, mostrando o que fazer.

"Resolvi um dia dar uma fugidinha até em casa para refrescar as idéias. Em dado momento, avistei o Eric, uma criança problemática, malcriada e desinteressada, que morava em frente à escola. Era difícil de lidar, já tinha sido advertido e suspenso algumas vezes."

Dona Suely puxou conversa, perguntando se morava com a mãe. Ele respondeu com uma pergunta.

- Tia, a senhora tem mãe?
- Não tinha, mas agora tenho.

A resposta de dona Suely deixou a criança intrigada.

- Depois de velha, a senhora tem mãe - disse Eric. - Então, a senhora tem muita sorte, pois eu não conheci minha mãe. Ela morreu de parto quando nasci, e agora eu moro com minha avó.
Dona Suely ousou fazer uma leitura diferenciada da dura situação apresentada pelo menino.

- Você também tem muita sorte - disse ela. - Pois você também conseguiu uma outra mãe.

A conversa terminou depois que Eric deu as razões para ir com tanta assiduidade à escola.

- Vou lá para brincar e conversar com os colegas.

Uma visita inesperada
Suely freqüentava uma igreja evangélica e tinha como missão fazer visitas em residências para pregar o evangelho. Prometeu visitá-lo, para conhecer sua casa. E se apressou em cumprir a palavra empenhada quando soube que o menino havia sido suspenso por quatro dias, como castigo por seu mau comportamento. Aquela não tinha sido sua primeira punição por motivos disciplinares.

- Fiquei preocupada e resolvi fazer uma visita de surpresa.

Eric abriu a porta com um ar incrédulo. A visita da professora era uma grande surpresa.

- Vovó, vem até aqui, ver quem chegou.

Durante a conversa, Suely notou a surpresa da avó, quando narrou o comportamento de Eric na escola. Para a vó, ele era um menino calmo, que ficava horas diante da televisão. Tinha inclusive um passatempo preferido: montar e desmontar todo o tipo de aparelhos que tinha pela frente. O preferido era o controle da única televisão da casa, que nem sempre ele conseguia remontar.

- É uma mania do menino - queixou-se a avó. - Por mais que eu bata, eu não consigo corrigi-lo.

A avó de Eric tinha medo dessas surras, principalmente quando o menino era punido pelo pai.

- Algumas vezes, o pai dele parecia que ia matá-lo.

As palavras escritas por Eric eram totalmente ilegíveis, verdadeiros garranchos. Preocupada com o desempenho do menino, Suely lhe deu um caderno de caligrafia. Para ela, o motivo de seu comportamento agressivo na escola, bem com de seu fraco rendimento, era a incendiária mistura de mãe ausente e pai violento.

Meninas também se revoltam
As meninas também se revoltam, criando problemas para si, para seus familiares e para seus professores. Danielle é uma menina muito inteligente, mas, rebelde, está sempre se metendo em confusão.

Às vezes, a rivalidade entre meninas pode causar reações extremamente agressivas. Foi o que sucedeu com Danielle, abalando toda a rotina da escola. Também sabia ser afetiva e carinhosa, mas somente com Suely, que elegeu como "tia". Ela insistia em ser tratada como sobrinha, papel que às vezes deixava Suely em situação difícil. Mas era duro tentar fazê-la voltar à realidade.

Ela se envolveu em uma briga que não teve conseqüências trágicas, mas que deixou marcas por algum tempo. Danielle e outra menina se engalfinharam, e o resultado foi uma grande mecha de cabelos arrancada. Resultado: uma suspensão como castigo, e uma ida ao salão para consertar o estrago. Danielle teve sorte de não ficar com marcas definitivas.

Boa vontade, jornal velho e um elástico fazem a diferença
Suely nasceu para ser professora, apesar de lutar com as dificuldades do dia-a-dia. Quando percebeu a falta de opções para entreter as crianças, resolveu improvisar em sua campanha para acalmar as crianças "Peguei uns elásticos que tinha em casa e improvisei uma brincadeira com eles", conta a mãe educadora. De inicio, elas relutaram, mas depois foi uma farra só. "Começaram a ficar todos muito animados, pulando, dançando, inventando posições." Animada com os primeiros resultados, Suely dividiu as crianças em grupos de seis para controlar melhor a meninada. O sucesso da brincadeira do elástico se espalhou pela escola a um ponto tal que até a diretora passou a pedi-lo, para deixar os recreios mais calmos.

Suely teve também de improvisar outras situações entre a brincadeira e a pedagogia. Hábil artesã, ela motivou as crianças a fazer objetos com papel de jornal, porta-retratos, canudos, enfeites. Ensinou-as ainda a trabalhar com isopor e papel laminado. Enfim, ela jamais desanimou.
Hoje ela é adorada pelas crianças.

Suely sabe que, no inicio de um novo milênio, as dificuldades na formação de jovens se manifestam em ritmo acelerado. Seja por problemas econômicos, desagregação familiar, descrença ou revolta, muitos jovens desperdiçam as oportunidades em melhorar seu desempenho para quando tiverem de enfrentar a dura realidade do cotidiano.

A “tia Suely” encontrou seu caminho, ultrapassando as barreiras que se apresentam a cada dia. Ela faz de sua profissão um sacerdócio.

Nescau com gosto de carinho

Crianças agressivas da Amintas Pereira são adocicadas com carinho
por Anderson Fat

Todos os dias, as mães educadoras da E.M. Amintas Pereira, na Figueira, lidam com a triste realidade de crianças que carecem de afeto e atenção no lar. A educadora Ana Lúcia Silva, por exemplo, entende com muita clareza a necessidade dos alunos que ali estudam. Segundo ela, não é raro encontrar momentos em que tudo se resolve com o bom e velho afago.

Outro dia mesmo, Ana Lúcia foi abordada por um aluno.

- Tia, posso sentar no seu colo? Faz carinho em mim? - pediu o aluno. - Ué, você está carente? - perguntou Ana Lúcia. - Minha mãe não me dá carinho - respondeu o menino.

Diante daquela situação, Ana Lúcia não pensou duas vezes para colocar o menino em seu colo. "Muitas vezes eles dormem no meu colo", disse a mãe voluntária, comprovando sua tese.

Dona Ana também revela que usa sua criatividade para quebrar a rotina massante da sala de aula. "Costumo fazer brincadeiras no chão e pular corda", disse. Para ela, essas brincadeiras acabaram sendo uma alternativa contra a precariedade de materiais enfrentada pelas escolas públicas.

Seu envolvimento com a escola começou durante uma reunião na igreja do bairro. "Eles explicaram o projeto nessa reunião. Como ninguém tomou iniciativa, resolvi me prontificar", explicou, mostrando-se uma pessoa pró-ativa. "A gente ajuda no que pode. Agora, sugeri às coordenadoras uma reunião com as mães para realizar uma campanha de higiene pessoal com as crianças."

Na mesma escola, outra mãe voluntária tem tido dias de muito trabalho. Mirtes Ferreira dos Santos contou o episódio ocorrido com um aluno rebelde chamado Dauram. Em seu relato, a mãe educadora descreveu as duas facetas da personalidade do menino gaiato. O menino brigão e agressivo que todos enxergavam, para Mirtes, era apenas uma criança sem carinho. "Realmente ele era muito violento. Sempre brigava com os colegas. Batia e chutava." No entanto, dona Mirtes também percebeu que não adiantaria usar a dureza como arma na educação daquele menino. "Percebi que, quando falávamos alto, ele ficava ainda mais nervoso." Depois de analisá-lo, dona Mirtes resolveu ter uma conversa cara-a-cara com Dauram.

- Por que você é assim? Sua mãe te bate? - perguntou a educadora. - Ela me bate, sim. -retrucou. - Mas à toa? - continuou - Sempre que eu faço uma coisa errada. - Se você não fizer nada de errado, ela não vai bater mais em você. - disse.

Passada a conversa, Dauram seguiu em direção ao canto da sala, onde deu de chorar. Ao ver aquela cena, dona Mirtes insistiu em conversar com Dauram.

- Por que você está chorando, Dauram? - Eu tô com dor de cabeça - despistou. - Vem aqui que a tia vai te orar - respondeu a educadora.

Nesse momento, dona Mirtes começou a orar o aluno rebelde, pedindo a Deus para acalmá-lo e acabar com aquela dor de cabeça que tanto o incomodava. "Eu acho que a oração que fiz surtiu efeito. Porque quando a gente pede a Deus, ele responde", crê a educadora. "Agora eu continuo acompanhando ele e outras crianças que passam pelos mesmos problemas de comportamento", continua.

O clima triste daquela conversa foi quebrado pela hora mais aguardada pela garotada: a hora do lanche. Ao ver que a bóia estava pronta, dona Mirtes logo ofereceu para Dauram.

-Você quer tomar Nescau com biscoito? -Eu quero.

Dauram sentou-se no canto enquanto a mãe voluntária preparava seu lanchinho. Nesse ínterim, o jovem rebelde foi se acalmando. "Eu notei que quando falavam gritando, ele ficava ainda mais nervoso". Ao voltar com o lanche, Dauram saboreou o chocolate com biscoito segurando a mão de dona Mirtes. "Depois que ele acabou, fui acompanhá-lo até a sala de aula", lembra.

Para dona Mirtes, a sensibilidade é muito importante nesses casos, pois se lembra que nem todos compreendiam as angústias de Dauram. "Comentei com outras pessoas da escola, mas nem todo mundo enxergou o potencial dele", afirma. Para ela, a luta contra a agressividade na escola deve ser combatida com amor e carinho. "Porque só assim eles vão ver, em nós, que é possível ser carinhoso. Tenho certeza que um dia ele vai retribuir isso", acredita.

Fica comigo esta manhã

Elaine resolve carência das crianças com muito diálogo
por Moduan Matus

Um dia desses Elaine Oliveira de Brito foi levar o filho caçula para a Escola Municipal Ayrton Senna, no Parque Flora. Quando chegou, sentiu que havia novidades. As crianças estavam naquele corre-pra-cá-corre-pra-lá, tentando se organizar.

Como Elaine conhecia a coordenadora, aproximou-se e ofereceu ajuda.

- Ah, eu preciso sim! - respondeu Mariana. - Tenho que atravessar algumas ruas para chegar até um dos parceiros do Bairro-Escola e deixar os alunos com a oficineira.

Elaine acompanhou a turma achando tudo aquilo o maior barato!

Na volta, recebeu o convite para ser mãe educadora. Aceitou na mesma hora. Naquele mesmo dia ficou até o final da tarde.

No segundo dia, Elaine pegou as crianças do pré-escolar e da classe de alfabetização. Cada turma era uma novidade, mas não encontrou nenhuma dificuldade para lidar com elas.

Com o passar do tempo, ela começou a descobrir as crianças rebeldes. Mas não se perturbou.

- Não adianta gritar com eles - acredita. - Não adianta pegar pelo braço. Nada! O único remédio é uma boa conversa.

Elaine tem plena consciência de que as crianças, cujos pais passam a maior parte do tempo trabalhando longe de casa, são muito carentes.

- Tem criança que, quando te vê, abre os braços. Te abraça. Te aperta e diz: "tia, quero ficar contigo!"

Elaine fica, agora, com uma turma de 4ª série. Ela está achando ótimo lidar com adolescentes entre 10 e 13 anos.

- Comigo, graças a Deus, está dando tudo certo!

Na verdade, Elaine tem dificuldade com algumas meninas. É que algumas delas não aceitam um "não", ficando logo "bicudas":

- Tem meninas que não aceitam reprimendas e jogam a culpa para cima da gente, dizendo que a gente fica no leva-e-traz, fazendo a professora chamar a atenção delas.

E tudo vai se resolvendo através do diálogo. Assim ela vai se mostrando uma amiga a mais para cada uma delas, pois, aos 33 anos, com um filho de 12, acha que poderia ser mãe de qualquer uma delas.

- Incrível, né? Tem meninos que a gente fala e é "batata". Eles não reclamam como as meninas, que são mais contestadoras, mas esse é um desafio bom, que nos ensina a viver e a compreender o universo de cada um e a superar os obstáculos.

Voando alto

Crianças da Ayrton Senna começaram a comer melhor depois do aviãzinho de Rosângela
por Moduan Matus

Na Escola Municipal Ayrton Senna tem uma mãe educadora, Rosângela, que adaptou muito bem o nome da escola. Ela não voa no chão, como fazia o maior ídolo da história do automobilismo brasileiro. Mas criou fama com seus "aviõezinhos" de comida até as bocas das crianças!

Rosângela conta que os alunos comem direitinho, mas os pirralhos da Educação Infantil são muito exigentes com o cardápio.

- Eu não quero salsicha! - anuncia um.
- Eu não quero feijão! - avisa outro.
- Eu não quero carne moída! - grita um terceiro.

As funcionárias da cantina ficavam desesperadas até a chegada de Rosângela. Como fazia com os próprios filhos, ela pega uma colher, enche de comida e levanta-a e imitando o barulho de um motor em funcionamento. É assim que começa o vôo do aviãozinho-colher que no final despeja todo o seu conteúdo dentro de uma boquinha aberta. Que vai comendo... comendo...

De repente, um outro pirralho se manifesta:

- Tia, vem fazer um aviãozinho comigo?

Então, na hora do almoço eles sempre ficam esperando pela tia do aviãozinho.

Algumas mães protestaram, dizendo que tinham que fazer aviõezinhos também. Mas Rosângela só aterrissou suas colheres quando as crianças maiores pediram para que ela fizesse aviãozinho com eles também.

- Aí eu falo: "Ah, não! Com vocês, não tem graça!"

A merendeira já contabilizou os resultados.

- Tá vendo? Depois que você começou com o aviãozinho, os pratos não voltam com tantos restos. Eles estão comendo melhor!

As outras mães educadoras geralmente não fazem esse tipo de atividade e chamam logo Rosângela para fazer. Ou então, vão ouvir repetidamente:

- Cadê a tia do aviãozinho? - Cadê a tia do aviãozinho? - Cadê a tia do aviãozinho?

O funk do chuveiro

Meninas da Alice Couto transformaram a hora do banho num grande baile
por Moduan Matus

Edna Moreira é mãe educadora na Escola Municipal Alice Couto, na Vila Operária. É responsável pela "hora do banho". E não é de hoje que criança resiste a um chuveiro. Principalmente quando a água é fria. Não foi à toa que que encontrou dificuldades com duas meninas.

- Sabe como é? Eu chegava, chamava para elas participarem com as coleguinhas e elas lá, quietas, num canto. Não iam de jeito nenhum!

Ela não sabia se era timidez, medo ou vergonha. Sabia apenas que precisava resolver o problema. Aquelas duas meninas não tinham quem olhasse por elas dentro de casa e, se não tomassem banho na escola, passariam o dia todo sujas. Provavelmente não tirariam o uniforme.

Edna foi fazendo experiências com o que tinha ao seu alcance. Chamou meninas para conversar com elas, para que as colegas falassem como perderam o medo daquela água fria. Depois mandou um convite para o pai das meninas, mas ele deu a mesma desculpa usada para não ensiná-las a tomar banho. Era um homem muito ocupado. Passava o dia na rua, trabalhando.

A solução surgiu de modo quase casual.

- Pedi para que as meninas cantassem para elas.

O resultado foi imediato.

- Agora na hora do banho todas só tomam banho dançando funk!

Edna chegou a se perguntar se estava agindo certo. Afinal de contas, para ela, "o funk é essa música meio doida que tem por aí".

- Imagina se a moda pega? - perguntava-se, aflita.

Para desespero de Edna, a moda pegou. E a partir de então a dificuldade não é mais colocar as meninas no banho, mas tirá-las de baixo do chuveiro. De tanto que ela pede para que as meninas saiam, elas incluíram o bordão da mãe educadora no funk do banheiro: "Vamos embora! Vamos embora!", elas cantam sem parar de dançar, tomando banho na maior atividade.

Edna ignora a gozação, mantendo a pressão.

- Vamos embora, vamos embora, que é a hora.

Desde que começou o baile do banheiro, as meninas da Alice Couto a procuram tão logo Edna entra na escola.

- Não vai ter banho hoje não, tia? - perguntam.

Edna conta que as meninas ficam aguardando a liberação dos chuveiros na maior ansiedade.
Depois que se divertem no chuveiro, vão para a sala de aula.

- Deve ser a sala de aula mais cheirosa da escola.

Elas botam perfume, penteiam umas às outras e hoje até as meninas mais arredias são entrosadas e até meio fogosas.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Diálogos amorosos

Dona Joana apostou no diálogo para consquistar a turma
da bagunça

por Anderson Fat

"Meu nome é Joana Raimunda Trindade e eu sou mãe voluntária na E.M. Ana Maria Ramalho, no bairro Miguel Couto." É assim que Dona Joana se apresenta para falar sobre o seu papel na educação das crianças que estudam no seu bairro. Estimulada pelo programa Bairro-Escola, a dona de casa começou a trabalhar nessa escola por ser próxima à sua casa e por conhecer muito bem a realidade das crianças que estudam lá. Umas são órfãs, outras sofrem violência no lar e ainda há aquelas que mal conseguem se relacionar com os outros alunos. "Quando eu cheguei nessa escola, senti um pouco de dificuldade. Foi muito difícil chegar a um 'ajuntamento', pois eles eram muito rebeldes. Batiam uns nos outros. Teve um momento em que eu coloquei a mão na cabeça e pensei em sair correndo", explica a mãe educadora.

Assustada com a turma da bagunça, dona Joana resolveu descobrir, na conversa, o motivo de tanta peraltice. Começou pelos mais levados. "Eles me falaram o motivo. Diziam que passavam por dificuldades", revelou na reunião em que pedimos para que dissesse qual foi a dificuldade que enfrentou no trabalho e qual a solução que encontrou. Ao descobrir o motivo do mal comportamento, a mãe educadora decidiu levar uma conversa franca com a turma da pesada. "Disse que, se eles estavam na escola, era porque a mãe deles desejava o melhor para eles", lembrou a voluntária. "Se vocês continuarem assim, serão expulsos. Eu vim aqui para observar quem faz bagunça", alertou a voluntária. "Depois disso, quando eu os via fazendo bagunça, eles ficavam sem graça e pediam desculpa", contou dona Joana. Em nenhum momento, passou a mão na cabeça dos alunos problemáticos.

Dona Joana relembra o dia em que participou de uma reunião na escola. Entre os presentes estava a coordenadora geral do programa Bairro-Escola, Maria Antônia Goulart. Segundo Joana, nessa reunião chegou-se ao consenso de que era preciso incluir os pais desses alunos no debate sobre o comportamento deles na escola. "A Maria (Antônia Goulart) até visitou pais de alguns alunos. Foi a partir daí que começou esse trabalho de mães na escola. Por isso que agora deu certo. Eu creio que nós, como mães, sabemos a real necessidade dos filhos. Assim, acabamos ajudando nossos filhos e os filhos dos outros", afirmou Joana, embora ela mesma seja de opinião que não é toda mãe que agüenta aquele ritmo. "Teve mãe que viu o que acontecia na escola e não voltou mais. Elas saíam dizendo que nós éramos corajosas demais", recordou.

Segundo dona Joana, o segredo para o bom comportamento sempre será o diálogo. "A falta de amor fazia aquelas crianças agirem daquele jeito. Com criança não basta gritar, gritar e gritar. Tem que passar amor, tentar conversar e saber porque elas estão assim", ensinou. "Basta explicar que ali é uma escola, e não lugar de bagunça. Foi dessa forma que eu conquistei o amor deles. Hoje eles chegam no colégio, me abraçam, me beijam, escrevem cartinhas e dizem que me amam do fundo do coração. Quando eu não vou à escola, eles perguntam por mim e querem saber se aconteceu algo comigo", orgulhou-se, dando mais uma dica de como conquistar a confiança da turma que adora uma bagunça."Basta se preocupar em saber o que está acontecendo com eles, que durante esse tempo eles acabam pegando mais amor pela gente e começam a confiar".

Inspiração divina

Quando se viu sozinha com as crianças, dona Severina pediu ajuda a Deus
por Julio Ludemir

Era um dia de outubro. A mãe educadora Severina Maria da Conceição lembra bem porque a diretora da Escola Municipal Heber de Moses, da qual é voluntária, havia saído para tomar providências para a festa do dia das crianças.

Mas não foi por essa razão que aquele dia ficou marcado no coração dessa pernambucana de São Vicente, perto da fronteira com a Paraíba. Aquele foi o dia mais difícil em sua história dentro da escola, para a qual entrou por causa da diferença que a bolsa de R$ 100 faz no seu orçamento. Mas ao mesmo tempo foi o dia mais fácil, pensou quando o relógio bateu uma da tarde, anunciando o fim do expediente.

A dificuldade se deveu à inesperada ausência de todas as pessoas que trabalham no Horário Integral naquele dia. A coordenadora do horário integral, bem como a diretora adjunta, Dona Severina sabe explicar. Elas haviam se desligado da escola, por uma razão que jamais lhe ocorreu perguntar. Mas o sumiço dos estagiários de cultura, esporte e aprendizagem só podiam entrar na conta da violência do tráfico na região, que vez por outra manda fechar a escola.

Mas não importa a razão. Importa que, quando dona Severina entrou na escola, encontrou duas voluntárias.

- Olha, tia – disse-lhe a funcionária. – Vamos dispensar todo mundo porque hoje aqui não tem ninguém.
- Nós estamos aqui – disse dona Severina.
- Mas você vai ter que dispensar a turma.
- Eu só sou uma voluntária e vim pra trabalhar – insistiu dona Severina.

Em prantos, a outra voluntária foi conduzida até a secretaria. Lá, ela pegou a bolsa e foi embora, deixando dona Severina com uma outra voluntária e aquele mundo de crianças.

- Meu Deus do céu – rogou dona Severina, ao perceber que as crianças estavam "naquele dia'. – O que é que eu vou fazer?

A primeira inspiração divina dessa senhora divorciada, que vive com um filho e um sobrinho, foi se dirigir ao menino mais levado da turma. Sabia que, se o conquistasse, teria o restante da turma.

- Vocês vão ter que me ajudar - implorou. - Nós vamos trabalhar juntos hoje.

Anunciou então o fato de que estavam sozinhos para justificar a necessidade de colaborarem. Apesar de sua fé em Deus, surpreendeu-se com a boa-vontade da turma. Eles se comportaram como nunca, aceitando passivamente as propostas que fez.

- Vamos jogar bafo-bafo - sugeriu.

Ela também abriu a possibilidade para que os meninos fossem jogar bola ou ler na biblioteca. Mas eles preferiram ficar com ela mesma, deitados nos colchonetes que levou para a sala com a ajuda do grupo, ou então jogando bafo-bafo.

Embora tenha sido o dia mais fácil de sua breve história com a Heber de Moses, dona Severina sentiu um grande alívio quando viu "o tio do hip hop" entrar na escola, por volta do meio-dia. Não muito tempo depois, começaram a chegar os tios da tarde.

- Obrigado, meu Deus - disse ela por fim, olhando para o céu.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Depois da festa

Meu nome é Ângela e sou voluntária da Alice Couto há quatro meses. Meu filho Anderson Santos Nogueira tem nove anos. Tenho também uma neta, que crio como filha. O nome dela é Ricalina da Silva.

Era um belo domingo de sol, fomos lá pra Brás de Pina participar de um churrasco na casa de um parente de meu marido. Ajudei nos preparativos, no preparo das carnes e molhos. Gosto muito de colaborar, pois não sou de ficar parada, sem fazer nada. O domingo foi um dia maravilhoso, onde tudo correu bem. Era só alegria. Ficamos até o final da tarde.

Na segunda-feira, infelizmente, tudo mudou. Foi como no velho ditado: "dia de alegria, véspera de tristezas." Meu compadre, que estava muito doente, veio a falecer na terça-feira. O sepultamento foi feito no dia seguinte, na quarta-feira.Meu irmão, que era muito doente, nunca teve filhos. Passei a tomar conta das crianças dele. Adoro quando elas me chamam de tia Ângela.

Meu filho Anderson é um menino muito levado. Está sempre agitado. Não pára quieto em sala de aula, sempre criando problemas. Está com nove anos e ainda não sabe ler e escrever. Por causa disso, passei a fazer um reforço para melhorar seu aprendizado na escola Luiz de Lemos. Vou sempre com ele ao fonoaudiólogo, para resolver seus problemas de fala. Creio que os problemas da menina vieram desde o parto. Minha filha apertava demais a barriga, deve ter afetado seu desenvolvimento.

Bebia de tudo, até álcool puro. Houve uma época em que bebia muito. Era uma verdadeira "esponja", "secando" mais de uma garrafa de cachaça por dia. Vivia fedendo a álcool. Bebia tudo que via pela frente: álcool puro, perfumes. Só faltava beber gasolina, mas gostava mesmo é de cachaça. Era a minha perdição.

Teve um dia que bebi uma garrafa de cachaça "até o gargalo", sorvendo as últimas gotas. Fui então passear com meu filho e minha neta. Os vizinhos viram aquela cena deprimente, eu cambaleando, não agüentava nem andar, conduzindo duas crianças. Era o símbolo da irresponsabilidade.

Resolveram pôr um ponto final naquilo tudo. Fizeram uma denúncia ao Juizado de Menores. Perdi a guarda das crianças. Fiquei desesperada, sem saber o que fazer nem como sair daquele caminho.

O caminho da salvação
Minha salvação veio por caminhos inesperados. Foi uma bênção divina, um milagre. Fui encaminhada ao grupo de Alcoólicos Anônimos (AA), uma verdadeira irmandade de pessoas dispostas a compartilhar experiências. Foi um anjo que desceu do céu e me levou para o grupo. Nunca mais bebi uma gota sequer de álcool. Estou limpa, sempre evito o primeiro gole.

Faz dez anos que não bebo nada, admiti ser impotente perante o vício. Agora evito o primeiro gole, segundo o preceito estabelecido. No início foi uma luta diária, agora nem ligo mais, podem beber à vontade na minha frente. Perdi a vontade. Sou devota de Nossa Senhora Aparecida, a santa milagreira padroeira do Brasil. Ela conduz meus caminhos. Hoje estou recuperada, tive minha segunda chance. Não quero desperdiçar.

Ao final, deixo uma pequena mensagem dirigida a todas as mães que padecem do mesmo problema: "Não desejo o que passei a nenhuma mãe do mundo. Hoje fico muito agradecida a todos aqueles que me ajudaram, me colocando de volta ao caminho reto. Agora não tem mais volta, nunca mais vou beber."

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A presença de Anita

















Escola Municipal Aminthas Pereira começou com mobilização de Dona Anita
Por Ana Lúcia Silva Chelles e Mirtes Silva Ferreira de Abreu*

Tudo começou quando uma moradora do Figueira, chamada Anita, incomodou-se com o fato de ver as crianças que residem nete bairro irem estudar em Miguel Couto. Para resolver o probema, Anita procurou Aminthas Pereira, um comerciante local, e pediu para que cedesse parte de eu armazém para o funcionamento de uma escola.









Dona Anita, seu Aminthas e o doutor Boliva, amigo e médico que fazia assistência social no bairro, procuraram a Prefeitura. Conseguiram então o material para a construção de um galpão onde as salas eram dividida por cortinas e uma casa para dona Anita. Surgia então a primeira escola, chamada Alzira Vargas.









Mais tarde, com o falecimento do seu Aminthas, a família retornou para o estado do Epírito Santo e doou o terreno para a Prefeitura. Lá foram contruídas dua salas de aula e uma cozinha, passando a chamar-se, em homenagem ao comerciante, Escola Municipal Aminthas Pereira.









Em 2000, a escola passou por uma nova reforma, ganhando outros espaços. No térreo, foram construídos uma sala de aula, refeitório, secretaria, sala de vídeo, banheiro para professores, banheiros para alunos (masculino e feminino). No primeiro andar, foram construídas quatro salas.

Nova direção
Desde 2001, a escola está sob a direção de Adriana Cláudia. A adjunta se chama Joelma.

A escola funciona em três turnos. O primeiro e o segundo turnos atendem aos aluno do primeiro ao quinto anos e, no terceiro turno, aos alunos do EJA.









Oferece os programas Escola Aberta e Bairro-Escola (Horário Integral). Tem Telecentro, Positivo e uma série de outras oficinas.









No anexo recém-construído da escola, há três salas para o regular e uma sala para o funcionamento do Horário Integral.

A Aminthas Pereira sempre contou com a iniciativa de pessoas que acreditaram e acreditam na educação, como dona Anita. Ela não cruzou os braços diante de uma necessidade da comunidade e fez acontecer, realizando assim o sonho de muitas crianças.









Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos.

* Texto escrito com o auxílio de Adriana Cláudia (diretora), Joelma (adjunta), Sônia e Luciana (coordenadoras do Horário Integral)

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Um pulo na infância

Ana Lúcia ignorou as chacotas do marido e se esbaldou no pula-pula da amiga

Os seus almoços de fim de semana nunca têm nada de importante, mas houve um domingo que estava saindo de casa com o marido e os três filhos para almoçar na casa de uma amiga. De repente, recebeu um telefonema. Era outra amiga querendo saber o que iriam fazer naquele dia.

Ela se chama Ana Lúcia, tem 27 anos e é mãe voluntária na Escola Municipal Dom Adriano Hypólito, onde seu filho, que não pára de agitar, também estuda.


Ana Lúcia diz que está saindo de casa para almoçar na casa de uma outra amiga. A amiga retruca: - Liga e pergunta se eu posso ir também!

Comunicação feita, tudo resolvido, todos a caminho.


Lá chegando, a amiga do telefonema vai abrir o porta-malas para tirar os refrigerantes e deixa à vista um pula-pula desmontado, brinquedo com o qual ela trabalha, alugando.


Aí as crianças começaram o coro do: - Monta! Monta! Monta!


Elas montaram e as crianças pularam até cansar.


Depois, foi a vez das mães, que pularam pra valer. Os maridos, de fora, encarnavam, dizendo: - Segura os peitos, se não vão cair! – Olha só, mães, depois de um monte de filhos, pulando feito crianças! – E isso! – E aquilo!


Elas continuaram pulando, gargalhando, caindo sentadas e rindo à vontade. Os filhos, do lado de fora, se divertiam a rodo. Os maridos também se aproveitaram para tirar um monte de fotos naquele domingo tão importante!

Trem da Central

Os filhos de Patrícia reclamam, mas ela almoça todo domingo na casa da sogra

Todo domingo é assim: casa da sogra! Chova ou faça sol, lá vão Patrícia Lopes, o marido e seus quatro filhos para a casa da dona Linda, em Queimados. Eles saem de Comendador Soares, onde desde março Patrícia é mãe voluntária da Escola Municipal José Ribeiro Guimarães.


A casa de dona Linda não é o trem da Central, mas cabe uma infinidade de gente lá dentro: são quatro filhos varões, uma filha, respectivas noras e o genro, 18 netos (alguns com seus cônjuges), já que são cinco os bisnetos. Cada um leva o que pode. O difícil é alguém levar somente a boca. E é assim que todos fazem o “almoção da vó Linda”.


As noras, a filha e algumas netas se apertam na cozinha e agitam as panelas. Os homens preparam as carnes e a churrasqueira, enquanto o avô, na sala, conta histórias, causos, fábulas e dá bons exemplos para os menores. O domingo sempre corre tranqüilo, mas às vezes acontece algum incidente. Foi assim no dia em que um dos filhos de Patrícia correu, caiu e acabou com uma farpa no corpo. Patrícia teve que levá-lo às pressas para o hospital mais próximo, de onde só voltaram quando o almoço havia acabado. Conclusão: participou do fazer e ficou fora do comer!

Mas isso é café pequeno! Porque domingo sim, domingo também, lá está Patrícia de volta à casa da dona Linda, até porque, em sua infância, Patrícia não teve essa oportunidade. Era ela, sua mãe e seu pai. Os avós e os tios moravam longe e os contatos eram raros.


No “almoção da vó”, seus filhos fazem contatos e conhecem todos os parentes, coisa que na sua infância se perdeu.


Patrícia gosta de falar aos filhos sobre a importância desse contato, dando sempre o seu próprio exemplo, inclusive da parte escolar, onde também teve dificuldades quando criança.


Os filhos, às vezes, reclamam: - De novo! – Todo o domingo! – Você nunca faz em casa! E ela explica que o “almoção da vó Linda” é o grande momento para todos se conhecerem melhor.


Aí fica tudo resolvido e eles partem felizes, de novo, para lá.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Plenos de recordações

Almoços dos domingos servem para alimentar espiritualmente os dias da semana de Marcela

Domingo. Dia de reunir a família, conversar, contar piadas, tirar fotos e comer com satisfação! E quando é churrasco, melhor ainda! Aí são assados vários tipos de carnes e também queijo e pão, ficando tudo muito delicioso para Marcela, mãe voluntária da creche Jardim Europa, e para sua filha de 5 anos que, quando está na creche, a mãe faz questão de tratá-la da mesma forma como trata todas as outras crianças.


Mas o almoço aos domingos não pára só no churrasco. Tem arroz, maionese, molho, farofa e até feijão, se alguém quiser. Depois ainda tem a sobremesa: uma musse de maracujá, ou um pudim de leite condensado, ou um maravilhoso doce de abóbora.


Para Marcela, o melhor disso tudo é o contato com a família e os amigos. Isso torna os dias da semana mais felizes e pleno de recordações enquanto exerce o trabalho que gosta muito, no qual aprende sempre mais com cada uma das crianças. No mais, o que ela não esquece nunca é de agradecer a Deus por tudo que lhe dá na vida.

Melhor comer do que fazer

Patrícia aproveita domingo das filhas com o pai para almoçar na casa da mãe
Patrícia Correia Guimarães, voluntária da Escola Municipal Shangri-lá, no Parque Todos os Santos, foi morar com o pai aos seis anos. Todos os domingos, a madrasta seguia o mesmo cardápio, que era aquele famoso frango assado. Com ele, vinham arroz, feijão, macarrão, farofa, maionese e, de entrada, a madrasta servia a tradicional e infalível canja. Era uma festa onde todos os presentes comiam o que quisesse do menu que não mudava nunca, salvo em raríssimas exceções. Essas ocasiões também vinham acompanhadas de sobremesa especial.
Nesses domingos, o pai de Patrícia sempre era o primeiro a almoçar. "É que ele não gostava muito de se reunir", lembra Patrícia. "Ele almoçava e saía." Já o seu tio, esse sempre ia ficando... ficando... "Ele era o último a sair", conta ela. Também se tornaram figuras obrigatórias e demoradas nessas mesas um tio e um sobrinho de Patrícia. Mas se engana quem pensa que ela, a irmã e madrasta se incomodavam com a presença do tio. "Ainda hoje eu lembro desses almoços com saudade."
Atualmente, Patrícia mora com as duas filhas que, geralmente, passam os domingos na casa do pai. Nesse dia, Patrícia corre logo para a casa da mãe, que mora bem perto. "Sei que o almoço por lá já está pronto, nem que seja aquele velho frango assado dos tempos da minha madrasta", diz Patrícia, que não gosta de cozinhar só para si. O que Patrícia gosta é da experiência como mãe voluntária e lembra que, antes, nunca fora chegada a crianças. "Com o envolvimento de agora, acabei aprendendo com elas, o que despertou o meu lado infantil."
Quanto à comida, continua achando que é muito melhor comer do que fazer! Por isso, de vez em quando, compra um daqueles franguinhos assados que ficam naquelas televisões de cachorros nas calçadas.

Primeira e última vez de Luíza

Era a primeira vez que Luíza se separava das irmãs. Terminou sendo a última

Rosângela tem 35 anos e é mãe voluntária no Colégio Ayrton Senna, que fica no bairro Parque Flora. Ela atua nas turmas de 4° série. Ajuda a orientar os alunos da escola. "Os jovens da escola são muito agitados, mas nem isso tira o meu ânimo", diz ela. Apesar das dificuldades, os jovens escutam seus conselhos. 
O almoço inesquecível de Rosângela ocorreu há cerca de um ano. "Foi a última vez que vi minha irmã Luíza", conta ela. Luiza era casada com um militar recém-chegado de uma missão na África, que fora recrutado para outra, só que dessa vez na região Norte do Brasil. A notícia de que o casal teria que se mudar para o estado do Amapá causou rebuliço na família de Rosângela. "Somos sete irmãs", conta Rosângela. "Nunca nos separamos." 
A mãe de Rosângela ficou bastante abalada com a ida da filha para tão longe. O chororô foi inevitável na família que vivera sempre junta, no mesmo terreno, no bairro de Tinguá. Como o casal viajaria numa segunda-feira, a família resolveu fazer um almoço de despedida para Luzia no domingo. Uma das sete irmãs, que trabalhava na Fazenda Tucano, também em Tinguá, disse que faria um bacalhau com batatas para o dia da despedida. O prato agradou a maioria da família, menos Rosângela e Luzia. As duas tiveram a idéia de incrementar o cardápio com um frango com quiabo feito por elas. 
Quando o tal domingo chegou, a família começou os preparativos para o almoço. A irmã da fazenda Tucano foi fazer o bacalhau, enquanto Rosângela e sua irmã sacrificavam o frango que seria servido ao casal. O padrasto de Rosângela encheu a piscina com bolas. A ornamentação ficou tão bonita que as irmãs caíram no choro. Luzia chegou ao ponto de dizer que não iria mais se mudar com o marido. Mas sua mãe foi taxativa: "Aonde vai a caçamba, vai a corda. Casou, agora tem que acompanhar o marido", disse a mãe, encorajando a filha a partir com o marido. 
"Esse domingo foi muito marcante para nós, pois nunca pensamos em nos separar." As irmãs estavam sempre se telefonando até que o ginecologista de Luíza detectou um mioma e resolveu operá-la. "Por telefone, ficamos sabendo que ela morreu durante a cirurgia." Desesperada, a mãe começou a se martirizar. Sentia-se culpada por ter encorajado a filha a viajar para o Amapá. "Se ela não tivesse ido, talvez isso não tivesse acontecido", dizia a mãe.
Até hoje Rosangela guarda a lembrança de Luzia e daquele almoço de domingo em família.

Um domingo qualquer

Simone fez a sobremesa que os filhos e o marido gostam para valorizar a vida

Simone Cristina tem dois filhos, um de oito e outro de 11 anos de idades. Seus dois filhos estudam na E.M. José Ribeiro Guimarães, que fica no bairro Ouro Preto, em Comendador Soares. Simone é mãe voluntária na escola onde os filhos estudam. Sempre que pode, ela acompanha de perto as atividades que os filhos realizam nos dias de aula. “Os dois estão se saindo muito bem, apesar de eu não ter muito contato com eles”, diz ela. Simone não os vê na escola porque eles ficam nos setores de responsabilidade de outras voluntárias.

Simone acha que o domingo é um dia em que as pessoas descansam e, principalmente, se reúnem com familiares e os amigos para fazerem aquele almoço cheio de alegria e descontração. Para ela, esse dia da semana sempre foi sagrado para reunir todas as pessoas que fazem parte da sua vida.

Para não fugir da regra, no último domingo, Simone resolveu ir para a cozinha preparar o almoço do dia. Ela preparou uma apetitosa lasanha, assou uma carne e incrementou o prato com uma bela salada de alface. Para a sobremesa, bolo de chocolate com recheio e cobertura de granulado, receita de sua mãe. “Esse é o bolo que meus filhos adoram”, disse. E para agradar o esposo, Simone preparou um delicioso mouse de maracujá. “Ele ama”, orgulha-se.

Depois daquele almoço farto, Simone chamou os pais para assistir a uma comédia com o marido e os filhos. Na sala, todos assistiram juntos. “Aquele domingo que seria apenas mais um ‘domingo qualquer’ tornou-se um dia feliz para todos nós. Se as pessoas passassem a valorizar mais os momentos como esse, todos nós conseguiríamos mudar um pouco essa realidade tão triste, às vezes chata, que viram rotina do dia-a-dia”, filosofa Simone. Para ela, o que realmente importa nessa vida é a família. “O importante é sermos felizes ao lado de quem nós realmente amamos e que nos amam de verdade", diz Simone Cristina, emocionada.

Você pensa que cachaça é frango

Fabiana passou horas esperando que o marido
trouxesse o frango do domingo


Mãe voluntária na E.M. Darcy Ribeiro, na Grama, Fabiana confessou que se interessou em trabalhar na escola por causa do dinheiro da bolsa-auxílio. "Mas acabei gostando muito, já que quase não saio de casa. Só vivo para cuidar dos meus filhos. Agora também comecei a participar do Pro Jovem, passei a sair mais e estou adorando. Eu me enfio em tudo que tem lá", revela a jovem. Fabiana trabalha prestando serviço no banheiro da escola, mas às vezes ajuda as amigas nos serviços dentro de algumas salas de aula.

A história de Fabiana fala um pouco sobre o jeito de ser do seu esposo, Cauê, que adora beber uma 'gelada'. "Contar com ele é uma bênção", repetia Fabiana, expressando a gíria que significa 'não conte com ele'. Todo santo domingo, Cauê acorda cedo para ir jogar bola. Muitas vezes, Fabiana nem vê o marido sair de casa.

Em um desses domingos, Cauê se arrumava para sair, quando Fabiana disse: "Cauê, não tem nada para as crianças comerem no almoço." Mesmo assim, Cauê saiu sem deixar um só centavo, levando todo dinheiro que tinha na carteira. "Eu fiquei em casa esperando ele chegar", disse Fabiana.

Por volta das 11h da manhã, Cauê apareceu em casa já meio alegrinho. "Poxa, Cauê, você não deixou dinheiro para comprar o almoço, hein", cobrou Fabiana, furiosa com o marido. "Ah, deixa que eu compro um frango assado aqui embaixo", disse Cauê, saindo em seguida para comprar o tal frango.

O tempo foi passando e nada do marido de Fabiana voltar. "Quando deu 4h da tarde a fome apertou, fiz uma comida rápida e simples para mim e meus filhos. Comemos arroz, feijão, e ovo frito", contou.

"Perto das 18h, me arrumei para ir à igreja assistir a missa, sozinha, porque até essa hora o Cauê ainda não havia chegado", disse. Às 20h, Fabiana chegou da missa sem encontrar o marido em casa.

A hora foi passando, 21h, 22h, 23h. Quando o relógio marcou meia-noite, Cauê chegou em casa, caindo de bêbado. Fabiana disse:

- Cadê o frango, Cauê?

- Que frango? Você não me pediu para comprar frango nenhum! - respondeu.

- Mas você saiu para comprar o frango, Cauê - retrucou Fabiana.

Sem dar a mínima, Cauê se jogou no sofá e caiu no sono. No dia seguinte, Fabiana foi conversar com o marido.

- Você não saiu para comprar frango para almoço de domingo, Cauê?

- Eu não! Não me lembro disso. - respondeu

- Como não? Eu te disse que não tinha nada para as crianças comerem.

- Ah, mas você não me avisou.

- Avisei, sim! Para com essa cachaça, Cauê!

Sem noção, o marido de Fabiana ainda se achou no direito de brigar com ela.

- Olha! Você nunca mais deixe de me avisar quando não tiver comida para as crianças, hein!

De volta à vida

Lourdes Dornelas sentiu que havia voltado à vida quando comeu uma galinhada com a família

Lourdes Dornelas trabalha na Escola Municipal Rubens Falcão, em Santa Eugênia. É nessa mesma escola que estuda seu filho Márcio, de dez anos. Quando ela entrou no trabalho, ele estava com o aprendizado um pouco insuficiente, necessitando de reforço. O desempenho do filho melhorou consideravelmente.

Pelo menos parte dessa queda no rendimento escolar pode ser debitada na conta da profunda depressão que tomou conta de Lourdes. No auge do desespero, Lourdes chegou a tomar ácido. A história do almoço de domingo inesquecível se deu durante seu processo de convalescença.

“Fiquei um tempão sem comer nada”, lembra. “A comida não era assimilada pelo organismo, voltava tudo.” Lourdes sobrevivia à custa de soro. Suas veias estavam dilatadas.

Além de alimento, a comida é combustível para o organismo, uma fonte de prazer e uma oportunidade de confraternização. Diz um velho ditado “que só se senta à mesa com os amigos, nunca com os inimigos”. A família Dornelas é uma entusiasmada seguidora desse ditado.

A numerosa e unida família Dornelas resolveu fazer um almoço para tirar Lourdes da “fossa”. Trazer os irmãos de Niterói com certeza espantaria as tristezas que haviam feito morada no seu coração.

O almoço aos domingos era um hábito dos Dornelas. Um dos pratos principais desses domingos era a galinhada. Era uma galinhada gorda e de temperos fortes. Lourdes teve que comer aquela galinhada com os olhos. “Não pude nem chupar um ossinho, para sentir o gostinho do tempero”, lembra. “Até o cheiro era proibido.”

Era preciso acabar com o problema, não era possível ficar se alimentando somente no soro. “Resolvi operar, embora com muito medo. Mas queria voltar a viver”, diz Lourdes. Foi internada no Hospital Gafrée Guinle, na Tijuca. A cirurgia foi bem-sucedida. Feliz e aliviada, a família resolveu comemorar a volta de Lourdes à vida com uma nova galinhada.

Agora ela pode saborear seu prato predileto, e não precisa ficar com “olho grande”, farejando o cheirinho gostoso que só a família Dornelas sabe fazer. O almoço aos domingos agora é uma festa só.

O mocotó no papo da patroa

José Guilherme queria reunir os amigos para um mocotó, mas só pôde oferecer uma omelete

Em tempos difíceis da ultima crise de um capitalismo tardio, dinheiro é sempre problema, principalmente quando começa a faltar. Essa foi a narrativa de José Guilherme, um brasileiro da Baixada Fluminense.

José Guilherme tem 63 anos, bem vividos. Casado com Rose, sua cara metade gerou três meninos, todos com nomes bíblicos: Josué (dez anos, quinto ano), Josias (nove anos, quarto ano) e Josafá (oito anos, terceiro ano).

Às nove horas de uma manhã de sábado, José Guilherme teve a idéia de convidar amigos para um almoço de domingo. Ele ligou para Rose. “Que tal uma feijoada?”, assuntou. Ela topou fazer aquele feijão que só ela só sabe fazer. Mas meia hora depois José Guilherme voltou a telefonar, agora com uma nova sugestão. “Pensando bem, acho melhor um mocotó”, disse ele. “Sai mais barato, bem mais barato, todo o mundo vai comer pra valer, vão encher a pança.”

Algumas horas depois o telefone tocou. Era Rose. “Meu amor, deu zebra”, anunciou a mulher de José Guilherme. “Melou o mocotó”, disse. “A danada da patroa, disse que não tinha dinheiro nem pra dar um vale. Vai pagar tudo só na terça feira, no final da tarde. Assim é f(...). É contar com o ovo na traseira da perua.”

Mas, como todo brasileiro, José Guilherme insiste até o final do segundo tempo. Embora não pudesse convidar todo o grupo que esperava reunir, chamou os amigos mais fiéis e fez o que tinha na despensa: arroz, um caruru e uma bela omelete, que só de pensar ficava com água na boca.

A omelete veio a capricho, regada por uma “branquinha e umas geladas”. O mocotó e a feijoada ficaram para depois, quando os ventos soprassem a favor. Afinal, um dia é da caça e o outro do trabalhador.
Um almoço de despedida
Por Elaine Oliveira de Brito

Meu nome é Elaine Oliveira de Brito, tenho trinta e três anos e trabalho como voluntária na Escola Municipal Ayrton Senna, no Parque Flora. Resolvi ficar mais perto de meu filho Alan David, que tem sete anos e precisa de uma atenção constante. Trabalhar como voluntária foi a única forma que encontrei para ficar perto dele. Minha presença não modificou seu aprendizado, pois eles sempre foi muito bem estudioso. Deve ter saído ao pai.

Premonição
Há exatamente treze anos, no mês de maio de 1995, resolvemos fazer um belo almoço em homenagem a minha sogra, que estava muito doente, morre, não morre. A idéia partiu de minha cunhada Rose, que disse iria fazer de tudo.

Dona Dione relutou. Muito bonita e vaidosa, minha sogra não se conformava com a decadência física causada pelas seguidas sessões de quimioterapia. Como todos sabem, o tratamento deixa seqüelas irremediáveis. O cabelo cai, a pele perde a maciez, ficando com uma tonalidade própria, um tom embaçado. Um prenúncio da cor da morte.

Minha sogra não queria o almoço de jeito nenhum, mas por dentro desejava o convívio, a presença de seus entes queridos em uma reunião que seria o último encontro com sua turma. No fim, cedeu à pressão da família.

Começou a chegar todo mundo, atendendo ao chamado da Rose, mulher alegre e festeira. Veio um grupo de onze pessoas. A casa ficou cheia. a alegria estava no ar.

Todo o mundo na cozinha
Todo mundo foi pra cozinha para ajudar. A cozinha era pequena, quase uma quitinete. Mal dava para duas pessoas, mas ninguém queria sair. Parecia um trem da Central na hora do rush.

A turma não deixou minha sogra ir para a cozinha, muito embora ela, como toda boa dona de casa, quisesse botar a mão na massa. Ela sempre dizia: “Quem vem em minha casa, tem de provar de meu tempero." Mas, com a doença e os remédios, ela mal conseguia ficar de pé.

Cozinhamos em mutirão, preparando um filé de frango recheado com mussarela, mortadela, presunto, azeitona, acompanhado de feijão, farofa, arroz branco, uma saladinha, tudo feito no maior capricho. Era o prato predileto de dona Dione. Seria um regalo de despedida.

Chegou a hora de servir. Mas em qual mesa, em qual sala? A questão a ser resolvida seria onde botar todo mundo. A sala era muito pequena, pensamos até no banheiro. A solução foi arrastar todo mundo para o quarto de minha sogra, levando uma mesa de armar para colocar os pratos. Afinal, a comida estava esfriando.

Dona Dione não queria que a “moçada” invadisse sua intimidade. Seu quarto, depois de ter ficado sozinha, era um refugio só dela, de sua intimidade, de suas lembranças, de um passado não muito distante, época de sonhos e esperanças que nunca se realizariam.

Um mês depois, minha sogra veio a falecer. O almoço do ano de 95 ficou marcado para sempre. Na época, eu tinha apenas 19 anos. Meu atual marido era apenas um simples namorado. Muito tempo se passou, outros almoços, outras reuniões, outros encontros, alguns desencontros. A família cresceu, alguns partiram, outros chegaram e a vida continua, com momentos plenos de alegria e também com algumas tristezas. A vida é assim e sempre será. Às vezes, não podemos mudá-la.

O disco voador da cunhada de dona Joana

Doana Joana testemunhou milagres no almoço
com a cunhada

Dona Joana nasceu em Guimarães, no Maranhão. Tem 53 anos, mora em Miguel Couto e é voluntária da escola Ana Maria Ramalho. Joana é mãe de quatro filhos e acolheu como filhos seus dois sobrinhos, Alessandro e Mateus. “Meus sobrinhos são muito rebeldes, melhoraram um pouco depois que viram o exemplo das crianças da escola, onde passo meus ensinamentos.”

Para ela, o projeto foi a melhor coisa que aconteceu ultimamente, “um amor verdadeiro, um misto de carinho e respeito”. Mas nem sempre foi assim: no início, as crianças da escola eram desatentas e rebeldes. “Não aprendiam nada, pareciam macacos agitados, sempre inquietos, pulando para lá e para cá. Com muita paciência, peguei os mais agitados num cantinho e mostrei a eles como devem se comportar em sala. Hoje, eles me respeitam, estão até aprendendo tudo e se interessando pelas aulas”, diz com um sorriso pleno de felicidade.

Duas histórias
Joana conta que sua cunhada tinha chamado para o almoço de domingo. "Para rever os parentes", lembra. A mesa era farta: churrasco com muita carne, lingüiça e cerveja para acompanhar, uma festança. Mas, como toda festa, vem o excesso: muito falatório, muita bebida e muita comida pra deixar todo mundo excitado. Como não se sentia bem no meio daquela algazarra, resolveu cair fora ainda nos preparativos.

Para aproveitar o domingo, foi “matar as saudades” de uma amiga que não via havia algum tempo. “Ela me recebeu na porta com carinho, mas com um olhar distante e cheio de tristeza e começou a chorar. Era um choro convulsivo, que me deixou preocupada." Depois de um tempo, a amiga resolveu abrir o coração e começou a a falar de uma vida de muitas necessidades, quase sem dinheiro, seu fogão vivia quase sempre apagado. "Estava sozinha, sem marido e vivendo ao Deus dará, às vezes até passava fome.”

A cunhada de Joana ofereceu uma cadeira e cheia de vergonha convidou-a para almoçar, mas para fazer companhia, tirá-la da solidão. Sua despensa estava vazia, sem mantimentos, era de dar dó. Mesmo assim, ela fez questão de preparar um pouquinho de arroz, feijão e um “disco voador”, prato que não conhecia, nunca tinha ouvido falar. "O famoso disco voador era simplesmente um ovo frito", lembra Joana. Um cozidinho foi feito para reforçar a refeição reduzida. Não era à toa que ela estava tão magra, de uma palidez quase cadavérica. “Conversamos muito sobre um passado um pouco mais feliz, tentando consolá-la. Passei a tarde com ela, no final, já quase noite, em vez das lágrimas, ela já esboçava um leve sorriso. Fiquei de voltar em outra ocasião, dizendo para ela ter fé em Deus que as coisas iriam melhorar. Afinal, Deus não dá provações além de nossas forças,” diz Joana com convicção.

Uma feliz surpresa
Uma grata surpresa aconteceu dias depois. Sua cunhada bateu em sua porta, com uma roupinha velha, mas bem passadinha e limpinha. Seu rosto já não tinha mais aquela palidez, tinha uma leve cor, cor de vida e de esperança. Fez um relato já não mais com aquele choro nervoso, vindo das entranhas, mas com um sorriso que transmitia confiança. Confidenciou que um tempo depois da saída de Joana bateram à sua porta. Ela atendeu desconfiada, estava sozinha, era uma quase noite de domingo. A rua estava deserta, não havia viva alma., só o canto dos últimos pássaros procurando seus ninhos para recolher. O milagre aconteceu. Vindo não se sabe de onde, um mensageiro abençoado trouxe o que ela mais necessitava: uma cesta básica. Dona Joana agora vai todos os domingos na casa dela, para ajudar a preparar o almoço, desta vez um pouco melhorado, com feijão, arroz, carnes e até uma saladinha. “Vou até levar um guaraná para comemorar. Às vezes as coisas mais simples nos fazem sentir melhor e mais felizes.”

Uma escolha fácil de ser feita

Entre a comilança e a religião, preferi o templo
Por Dona Severina

Meu nome é Severina, vim da distante São Vicente em Pernambuco, terra da banana, da uva, da cana, terra abençoada. São Vicente fica perto de Timbaúba e de Macaparuna, na divisa entre Pernambuco e Paraíba. Trabalho no Bairro Escola , no Cobrex. Foi um projeto abençoado, que veio na hora certa, tanto pelo dinheiro quanto pela alegria de conviver com as crianças. Hoje não quero mais sair. Quero que esse projeto dure para sempre. Foi a melhor coisa que aconteceu pra mim. Sou separada de meu marido, vivo com meu filho e um sobrinho, que cuido como filho. Eles são a razão de minha batalha diária.

Meu alimento é a fé
Quando me chamaram para contar a minha história de um almoço aos domingos, pensei como poderia fazer para preparar. Não tenho tempo aos domingos, pois tenho a obrigação de ir à minha igreja. A oração dura até uma hora da tarde. Sou evangélica, e tenho como obrigação comparecer religiosamente todos os domingos, ordens do nosso ministro. Ele me colocou no caminho da fé. Fiz então a minha escolha: preparar o almoço e contar a minha história. Preferi trazer uma comida pronta, à moda da Paraíba, arroz, feijão, farinha e frango. Decidi inventar uma história, achei melhor. Estou no caminho certo, meu alimento é a fé.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A comilança

Velhas lembranças de um almoço aos domingos
Por Maria Cristina



















O mais importante para mim é o passado, as velhas lembranças de um almoço aos domingos. Era uma comilança, parecia uma procissão, vinha gente de todo o lado, com os dentes afiados atraídos pelo tempero da minha avó.

Dona Luíza foi quem me criou. Foi mais que avó. Foi pai, mãe, irmã, tia, conselheira e principalmente quem me ensinou o caminho. Aos domingos, quando preparo o almoço, me lembro dela com alegria e uma pontinha de tristeza. Minha avó era alegre, “faladeira”, conversava sobre tudo, esporte, governo, custo de vida, chuvas que alagavam tudo, deixando as ruas cheias de lama e poeira. Mas era também uma mulher de ação. Lavava, passava, arrumava a casa, mas o que ela mais gostava era de cozinhar, principalmente aos domingos. Seu prato preferido que ela preparava com o maior capricho, seu “carro chefe” era a galinha assada, que fazia como um ritual religioso, todos os domingos. Era o encontro da família, uma forma de congraçamento. Uma união à mesa, feita pela boca.

Existe um preconceito, quase transformado em lei, que onde tem muito parente reunido, sempre acaba em briga, seja pelos excessos, seja pelas queixas e acusações feitas pelos familiares. Em nosso almoço, tudo era festa, o excesso era só na comida deliciosa de Dona Luíza, que deixava todo o mundo com uma preguiça danada. Só de pensar me dá água na boca. A galinha assada vinha acompanhada de uma farofa à mineira, um macarrão carregado de um molho que só ela sabia fazer, arroz branquinho, feijão com carne seca e uma couve para enfeitar o prato.

A romaria ia chegando aos poucos. Eram minha mãe, meu pai, meus tios, sobrinhos, primos e agregados que se juntavam à comitiva para provar o tempero especial. Era um acontecimento, eu ficava ansiosa para o final de semana, não conseguia nem dormir direito. Os preparativos começavam cedo, com o dia amanhecendo, antes do galo cantar nós tínhamos nossa alvorada.

Preparativos com jeitinho especial
Minha avó tinha um jeitinho especial de preparar a “penosa”. Passava sábado no aviário e escolhia a “vitima”, que levava para casa com o maior carinho. Várias vezes vi minha avó conversando com a ave fazendo carícias em seu pescoçinho. Era um preparativo para acalmar a vítima do sacrifício, que viria depois. Ela segurava o pescoço com cuidado, mas com muita firmeza, e de um golpe só fazia uma rápida torção e quase arrancava a cabeça da ave. Em uma ocasião, depois de torcer o pescoço e cortá-lo com uma faca bem amolada, a galinha ensaiou uma corrida pelo quintal. Foi um tumulto, crianças corriam apavoradas, minha mãe desmaiou, escorria sangue para todo lado. O cachorro foi mais prático, abocanhou a ave fugitiva e foi um custo para tirar o que restava da boca do danado. A sorte é que tinha outra galinha já para ser preparada, além de todos os outros complementos.

Todos os domingos, quando preparo o almoço, agora com bem menos gente, me recordo saudosa daquela que foi tudo para mim: dona Luiza, minha avó. O tempo se escoa fugidio, acelerado, mas o passado está sempre presente em nossa memória, de um tempo bom que às vezes está voltando. A felicidade custa tão pouco. É uma pena que minha avó tenha partido. Faz parte do ciclo da vida, mas tenho certeza de que ela está em algum lugar preparando com carinho o almoço aos domingos.