sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Nescau com gosto de carinho

Crianças agressivas da Amintas Pereira são adocicadas com carinho
por Anderson Fat

Todos os dias, as mães educadoras da E.M. Amintas Pereira, na Figueira, lidam com a triste realidade de crianças que carecem de afeto e atenção no lar. A educadora Ana Lúcia Silva, por exemplo, entende com muita clareza a necessidade dos alunos que ali estudam. Segundo ela, não é raro encontrar momentos em que tudo se resolve com o bom e velho afago.

Outro dia mesmo, Ana Lúcia foi abordada por um aluno.

- Tia, posso sentar no seu colo? Faz carinho em mim? - pediu o aluno. - Ué, você está carente? - perguntou Ana Lúcia. - Minha mãe não me dá carinho - respondeu o menino.

Diante daquela situação, Ana Lúcia não pensou duas vezes para colocar o menino em seu colo. "Muitas vezes eles dormem no meu colo", disse a mãe voluntária, comprovando sua tese.

Dona Ana também revela que usa sua criatividade para quebrar a rotina massante da sala de aula. "Costumo fazer brincadeiras no chão e pular corda", disse. Para ela, essas brincadeiras acabaram sendo uma alternativa contra a precariedade de materiais enfrentada pelas escolas públicas.

Seu envolvimento com a escola começou durante uma reunião na igreja do bairro. "Eles explicaram o projeto nessa reunião. Como ninguém tomou iniciativa, resolvi me prontificar", explicou, mostrando-se uma pessoa pró-ativa. "A gente ajuda no que pode. Agora, sugeri às coordenadoras uma reunião com as mães para realizar uma campanha de higiene pessoal com as crianças."

Na mesma escola, outra mãe voluntária tem tido dias de muito trabalho. Mirtes Ferreira dos Santos contou o episódio ocorrido com um aluno rebelde chamado Dauram. Em seu relato, a mãe educadora descreveu as duas facetas da personalidade do menino gaiato. O menino brigão e agressivo que todos enxergavam, para Mirtes, era apenas uma criança sem carinho. "Realmente ele era muito violento. Sempre brigava com os colegas. Batia e chutava." No entanto, dona Mirtes também percebeu que não adiantaria usar a dureza como arma na educação daquele menino. "Percebi que, quando falávamos alto, ele ficava ainda mais nervoso." Depois de analisá-lo, dona Mirtes resolveu ter uma conversa cara-a-cara com Dauram.

- Por que você é assim? Sua mãe te bate? - perguntou a educadora. - Ela me bate, sim. -retrucou. - Mas à toa? - continuou - Sempre que eu faço uma coisa errada. - Se você não fizer nada de errado, ela não vai bater mais em você. - disse.

Passada a conversa, Dauram seguiu em direção ao canto da sala, onde deu de chorar. Ao ver aquela cena, dona Mirtes insistiu em conversar com Dauram.

- Por que você está chorando, Dauram? - Eu tô com dor de cabeça - despistou. - Vem aqui que a tia vai te orar - respondeu a educadora.

Nesse momento, dona Mirtes começou a orar o aluno rebelde, pedindo a Deus para acalmá-lo e acabar com aquela dor de cabeça que tanto o incomodava. "Eu acho que a oração que fiz surtiu efeito. Porque quando a gente pede a Deus, ele responde", crê a educadora. "Agora eu continuo acompanhando ele e outras crianças que passam pelos mesmos problemas de comportamento", continua.

O clima triste daquela conversa foi quebrado pela hora mais aguardada pela garotada: a hora do lanche. Ao ver que a bóia estava pronta, dona Mirtes logo ofereceu para Dauram.

-Você quer tomar Nescau com biscoito? -Eu quero.

Dauram sentou-se no canto enquanto a mãe voluntária preparava seu lanchinho. Nesse ínterim, o jovem rebelde foi se acalmando. "Eu notei que quando falavam gritando, ele ficava ainda mais nervoso". Ao voltar com o lanche, Dauram saboreou o chocolate com biscoito segurando a mão de dona Mirtes. "Depois que ele acabou, fui acompanhá-lo até a sala de aula", lembra.

Para dona Mirtes, a sensibilidade é muito importante nesses casos, pois se lembra que nem todos compreendiam as angústias de Dauram. "Comentei com outras pessoas da escola, mas nem todo mundo enxergou o potencial dele", afirma. Para ela, a luta contra a agressividade na escola deve ser combatida com amor e carinho. "Porque só assim eles vão ver, em nós, que é possível ser carinhoso. Tenho certeza que um dia ele vai retribuir isso", acredita.

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