sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O elástico da paz

Artesã usa material de trabalho para minimizar violência na hora do recreio
por Alcyr Cavalcanti

Suely Nunes Ribeiro Braga faz de seu trabalho um sacerdócio Ela trabalha na Escola José Luis da Silva, em Austin. Diariamente, vai para sua faina diária, feliz por ajudar na construção da cidadania dos jovens. Como nem tudo é perfeito, embora sendo abnegada, reclama da precariedade das instalações da escola em que trabalha.

A tarefa de Suely era bastante árdua. Principalmente por lidar com crianças difíceis e inadaptadas. Mas ela estava firme em seus propósitos de ensinar. Muitas crianças na escola se transformam de uma timidez excessiva a uma atividade incessante, tornando-se dispersivas e não aprendendo nada. O acaso veio trilhar o caminho de Suely, mostrando o que fazer.

"Resolvi um dia dar uma fugidinha até em casa para refrescar as idéias. Em dado momento, avistei o Eric, uma criança problemática, malcriada e desinteressada, que morava em frente à escola. Era difícil de lidar, já tinha sido advertido e suspenso algumas vezes."

Dona Suely puxou conversa, perguntando se morava com a mãe. Ele respondeu com uma pergunta.

- Tia, a senhora tem mãe?
- Não tinha, mas agora tenho.

A resposta de dona Suely deixou a criança intrigada.

- Depois de velha, a senhora tem mãe - disse Eric. - Então, a senhora tem muita sorte, pois eu não conheci minha mãe. Ela morreu de parto quando nasci, e agora eu moro com minha avó.
Dona Suely ousou fazer uma leitura diferenciada da dura situação apresentada pelo menino.

- Você também tem muita sorte - disse ela. - Pois você também conseguiu uma outra mãe.

A conversa terminou depois que Eric deu as razões para ir com tanta assiduidade à escola.

- Vou lá para brincar e conversar com os colegas.

Uma visita inesperada
Suely freqüentava uma igreja evangélica e tinha como missão fazer visitas em residências para pregar o evangelho. Prometeu visitá-lo, para conhecer sua casa. E se apressou em cumprir a palavra empenhada quando soube que o menino havia sido suspenso por quatro dias, como castigo por seu mau comportamento. Aquela não tinha sido sua primeira punição por motivos disciplinares.

- Fiquei preocupada e resolvi fazer uma visita de surpresa.

Eric abriu a porta com um ar incrédulo. A visita da professora era uma grande surpresa.

- Vovó, vem até aqui, ver quem chegou.

Durante a conversa, Suely notou a surpresa da avó, quando narrou o comportamento de Eric na escola. Para a vó, ele era um menino calmo, que ficava horas diante da televisão. Tinha inclusive um passatempo preferido: montar e desmontar todo o tipo de aparelhos que tinha pela frente. O preferido era o controle da única televisão da casa, que nem sempre ele conseguia remontar.

- É uma mania do menino - queixou-se a avó. - Por mais que eu bata, eu não consigo corrigi-lo.

A avó de Eric tinha medo dessas surras, principalmente quando o menino era punido pelo pai.

- Algumas vezes, o pai dele parecia que ia matá-lo.

As palavras escritas por Eric eram totalmente ilegíveis, verdadeiros garranchos. Preocupada com o desempenho do menino, Suely lhe deu um caderno de caligrafia. Para ela, o motivo de seu comportamento agressivo na escola, bem com de seu fraco rendimento, era a incendiária mistura de mãe ausente e pai violento.

Meninas também se revoltam
As meninas também se revoltam, criando problemas para si, para seus familiares e para seus professores. Danielle é uma menina muito inteligente, mas, rebelde, está sempre se metendo em confusão.

Às vezes, a rivalidade entre meninas pode causar reações extremamente agressivas. Foi o que sucedeu com Danielle, abalando toda a rotina da escola. Também sabia ser afetiva e carinhosa, mas somente com Suely, que elegeu como "tia". Ela insistia em ser tratada como sobrinha, papel que às vezes deixava Suely em situação difícil. Mas era duro tentar fazê-la voltar à realidade.

Ela se envolveu em uma briga que não teve conseqüências trágicas, mas que deixou marcas por algum tempo. Danielle e outra menina se engalfinharam, e o resultado foi uma grande mecha de cabelos arrancada. Resultado: uma suspensão como castigo, e uma ida ao salão para consertar o estrago. Danielle teve sorte de não ficar com marcas definitivas.

Boa vontade, jornal velho e um elástico fazem a diferença
Suely nasceu para ser professora, apesar de lutar com as dificuldades do dia-a-dia. Quando percebeu a falta de opções para entreter as crianças, resolveu improvisar em sua campanha para acalmar as crianças "Peguei uns elásticos que tinha em casa e improvisei uma brincadeira com eles", conta a mãe educadora. De inicio, elas relutaram, mas depois foi uma farra só. "Começaram a ficar todos muito animados, pulando, dançando, inventando posições." Animada com os primeiros resultados, Suely dividiu as crianças em grupos de seis para controlar melhor a meninada. O sucesso da brincadeira do elástico se espalhou pela escola a um ponto tal que até a diretora passou a pedi-lo, para deixar os recreios mais calmos.

Suely teve também de improvisar outras situações entre a brincadeira e a pedagogia. Hábil artesã, ela motivou as crianças a fazer objetos com papel de jornal, porta-retratos, canudos, enfeites. Ensinou-as ainda a trabalhar com isopor e papel laminado. Enfim, ela jamais desanimou.
Hoje ela é adorada pelas crianças.

Suely sabe que, no inicio de um novo milênio, as dificuldades na formação de jovens se manifestam em ritmo acelerado. Seja por problemas econômicos, desagregação familiar, descrença ou revolta, muitos jovens desperdiçam as oportunidades em melhorar seu desempenho para quando tiverem de enfrentar a dura realidade do cotidiano.

A “tia Suely” encontrou seu caminho, ultrapassando as barreiras que se apresentam a cada dia. Ela faz de sua profissão um sacerdócio.

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