Quando se viu sozinha com as crianças, dona Severina pediu ajuda a Deus
por Julio Ludemir
Era um dia de outubro. A mãe educadora Severina Maria da Conceição lembra bem porque a diretora da Escola Municipal Heber de Moses, da qual é voluntária, havia saído para tomar providências para a festa do dia das crianças.
Mas não foi por essa razão que aquele dia ficou marcado no coração dessa pernambucana de São Vicente, perto da fronteira com a Paraíba. Aquele foi o dia mais difícil em sua história dentro da escola, para a qual entrou por causa da diferença que a bolsa de R$ 100 faz no seu orçamento. Mas ao mesmo tempo foi o dia mais fácil, pensou quando o relógio bateu uma da tarde, anunciando o fim do expediente.
A dificuldade se deveu à inesperada ausência de todas as pessoas que trabalham no Horário Integral naquele dia. A coordenadora do horário integral, bem como a diretora adjunta, Dona Severina sabe explicar. Elas haviam se desligado da escola, por uma razão que jamais lhe ocorreu perguntar. Mas o sumiço dos estagiários de cultura, esporte e aprendizagem só podiam entrar na conta da violência do tráfico na região, que vez por outra manda fechar a escola.
Mas não importa a razão. Importa que, quando dona Severina entrou na escola, encontrou duas voluntárias.
- Olha, tia – disse-lhe a funcionária. – Vamos dispensar todo mundo porque hoje aqui não tem ninguém.
- Nós estamos aqui – disse dona Severina.
- Mas você vai ter que dispensar a turma.
- Eu só sou uma voluntária e vim pra trabalhar – insistiu dona Severina.
Em prantos, a outra voluntária foi conduzida até a secretaria. Lá, ela pegou a bolsa e foi embora, deixando dona Severina com uma outra voluntária e aquele mundo de crianças.
- Meu Deus do céu – rogou dona Severina, ao perceber que as crianças estavam "naquele dia'. – O que é que eu vou fazer?
A primeira inspiração divina dessa senhora divorciada, que vive com um filho e um sobrinho, foi se dirigir ao menino mais levado da turma. Sabia que, se o conquistasse, teria o restante da turma.
- Vocês vão ter que me ajudar - implorou. - Nós vamos trabalhar juntos hoje.
Anunciou então o fato de que estavam sozinhos para justificar a necessidade de colaborarem. Apesar de sua fé em Deus, surpreendeu-se com a boa-vontade da turma. Eles se comportaram como nunca, aceitando passivamente as propostas que fez.
- Vamos jogar bafo-bafo - sugeriu.
Ela também abriu a possibilidade para que os meninos fossem jogar bola ou ler na biblioteca. Mas eles preferiram ficar com ela mesma, deitados nos colchonetes que levou para a sala com a ajuda do grupo, ou então jogando bafo-bafo.
Embora tenha sido o dia mais fácil de sua breve história com a Heber de Moses, dona Severina sentiu um grande alívio quando viu "o tio do hip hop" entrar na escola, por volta do meio-dia. Não muito tempo depois, começaram a chegar os tios da tarde.
- Obrigado, meu Deus - disse ela por fim, olhando para o céu.
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