quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A comilança

Velhas lembranças de um almoço aos domingos
Por Maria Cristina



















O mais importante para mim é o passado, as velhas lembranças de um almoço aos domingos. Era uma comilança, parecia uma procissão, vinha gente de todo o lado, com os dentes afiados atraídos pelo tempero da minha avó.

Dona Luíza foi quem me criou. Foi mais que avó. Foi pai, mãe, irmã, tia, conselheira e principalmente quem me ensinou o caminho. Aos domingos, quando preparo o almoço, me lembro dela com alegria e uma pontinha de tristeza. Minha avó era alegre, “faladeira”, conversava sobre tudo, esporte, governo, custo de vida, chuvas que alagavam tudo, deixando as ruas cheias de lama e poeira. Mas era também uma mulher de ação. Lavava, passava, arrumava a casa, mas o que ela mais gostava era de cozinhar, principalmente aos domingos. Seu prato preferido que ela preparava com o maior capricho, seu “carro chefe” era a galinha assada, que fazia como um ritual religioso, todos os domingos. Era o encontro da família, uma forma de congraçamento. Uma união à mesa, feita pela boca.

Existe um preconceito, quase transformado em lei, que onde tem muito parente reunido, sempre acaba em briga, seja pelos excessos, seja pelas queixas e acusações feitas pelos familiares. Em nosso almoço, tudo era festa, o excesso era só na comida deliciosa de Dona Luíza, que deixava todo o mundo com uma preguiça danada. Só de pensar me dá água na boca. A galinha assada vinha acompanhada de uma farofa à mineira, um macarrão carregado de um molho que só ela sabia fazer, arroz branquinho, feijão com carne seca e uma couve para enfeitar o prato.

A romaria ia chegando aos poucos. Eram minha mãe, meu pai, meus tios, sobrinhos, primos e agregados que se juntavam à comitiva para provar o tempero especial. Era um acontecimento, eu ficava ansiosa para o final de semana, não conseguia nem dormir direito. Os preparativos começavam cedo, com o dia amanhecendo, antes do galo cantar nós tínhamos nossa alvorada.

Preparativos com jeitinho especial
Minha avó tinha um jeitinho especial de preparar a “penosa”. Passava sábado no aviário e escolhia a “vitima”, que levava para casa com o maior carinho. Várias vezes vi minha avó conversando com a ave fazendo carícias em seu pescoçinho. Era um preparativo para acalmar a vítima do sacrifício, que viria depois. Ela segurava o pescoço com cuidado, mas com muita firmeza, e de um golpe só fazia uma rápida torção e quase arrancava a cabeça da ave. Em uma ocasião, depois de torcer o pescoço e cortá-lo com uma faca bem amolada, a galinha ensaiou uma corrida pelo quintal. Foi um tumulto, crianças corriam apavoradas, minha mãe desmaiou, escorria sangue para todo lado. O cachorro foi mais prático, abocanhou a ave fugitiva e foi um custo para tirar o que restava da boca do danado. A sorte é que tinha outra galinha já para ser preparada, além de todos os outros complementos.

Todos os domingos, quando preparo o almoço, agora com bem menos gente, me recordo saudosa daquela que foi tudo para mim: dona Luiza, minha avó. O tempo se escoa fugidio, acelerado, mas o passado está sempre presente em nossa memória, de um tempo bom que às vezes está voltando. A felicidade custa tão pouco. É uma pena que minha avó tenha partido. Faz parte do ciclo da vida, mas tenho certeza de que ela está em algum lugar preparando com carinho o almoço aos domingos.

3 comentários:

Beatriz Goulart Lindbergh Farias disse...

ADOREI! Me fez lembrar dos almoços de domingo na casa da minha avó... ela era filha de italiano e preparava a massa em casa. Nós, os netos, ajudávamos e atrapalhávamos. Era a oportunidade da família inteira se reunir. Depois que ela morreu, nunca mais nos encontramos todos juntos novamente. Dá uma saudade... Bjs, Maria Antônia Goulart

Anônimo disse...

adorei a mensagem , lembro -me dos tempos que eu e meus irmão eramos amigos , tenho saudades de meu irmão ,beijos , mãe voluntária do flor de lis , cristiane .

Anônimo disse...

hsuahsuahsushuahusahus